14 março 2007

Mais Portugal

Álvaro de Campos

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

7 comentários:

Anónimo disse...

SE, DEPOIS DE EU MORRER...

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vivi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.

Alberto Caeiro

http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v365.txt


Sempre achei as primeiras palavras inspiradoras. Depois de um trabalho que fiz no 6.º ano sobre Fernando pessoa, nunca mais esqueci estas palavras... foi, para mim, o melhor trabalho que até hoje realizei. É com orgulho que comento.
Infelizmente, nem com um gmail consegui resolver o meu problema com o blogger. Quando posto, só aparece o título: o artigo desaparece, sem que eu o consiga recuperar.
No entanto, e como o mundo pula e avança, não deixei de ter um blog! Mal se deu o problema, fui logo desencantar um outro lugar! Desta vez, o blog só tem algumas observações a livros, como o antigo "Mundos Fantásticos". Passe, por lá, pois fiz alguns artigos que, talvez, lhe interessem... o site é em http://hobboffinoftheneedlehole.blog.com/

Como sempre, comente!!! Lá espero. Eu continuo a comentar aqui. As férias estão quase a chegar, o que me dará mais tempo.

Um grande abraço,
Pedro Tavares

Anónimo disse...

POEMA

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).

Álvaro de Campos


http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v069.txt


Sempre gostei muito da poesia de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa fascina-me imenso desde quando fiz um trabalho no 6.º ano. Foi o melhor trabalho que até hoje realizei... Este poema, de tantas vezes ouvir, decidi comentar aqui.
Peço desculpa pelo meu atraso a comentar neste blog. Enfim, as férias estão a chegar, há já mais tempo para descansar... e comentar!
O blog está com boa aparência! Fiquei especialmente fascinado pelas fots novas, muito bonitas!
Infelizmente, nem com uma gmail consegui recuperar o meu blog. Sempre que postava algo, a única coisa que aparecia era o título: o artigo desaparecia, sem que o conseguisse recuperar.
Bem, mas como não desisto, mal se deu o problema, fui logo desencantar um novo espaço. Não é no Blogger, mas sempre posso escrever algo.
Espero por si e pelo seu comentário: já tenho feito mais artigos, dê uma visita e leia o que há de novo. Eu continuo a comentar aqui!
Não vou mais escrever, pois tenho muita coisa a pôr em dia: mensagens, artigos,... o mesmo de sempre.
Umas muito boas férias e um grande abraço,
Pedro Tavares

P.S.: Quando for ao meu blog, há-de reparar no fundo... é uma foto de lugares onde fui! Está muito interessante.
Até uma próxima!!!

Anónimo disse...

http://erestorexcelentissimo.wordpress.com/

Pedro disse...

MAR

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen

http://www.astormentas.com/din/poema.asp?key=2168&titulo=Mar
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Um poema muito bonito, com certeza vindo do Mar que navegou dentro desta óptima poetisa, e que ainda hoje se expande e quebra as suas ondas pelo mundo.
Gosto do novo visual do blog. Espero que continue a inovar.
Um grande abraço e até uma próxima!

Pedro disse...

MAR

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen

http://www.astormentas.com/din/poema.asp?key=2168&titulo=Mar

Cada poema de Sophia de mello Breyner é uma onda desse mar que nela navega... Muito bonito.

Desculpe não ter comentado mais cedo. Deu-me sempre erro. De qualquer maneira, gosto do novo visual do blog. Enquanto não se posta mais poemas...
Entretanto, passe pelos meus blogs. Não são nada de especial, mas...
Até lá, um grande abraço!

Pedro disse...

Olá!

Sabe, hoje não tenho nenhum poema, mais tarde contribuo, apenas estou aliviado por, passado tanto tempo, ter aprovado o comentário. Tem estado um bocadinho parada, certo?
Bem, eu já iniciei um novo blog, bem ao gosto dos livros, e posso dizer que estou a ter sucesso!
Dê uma visita e volte a apostar neste blog (se conseguir...).
Até uma próxima!

Pedro disse...

BARCA BELA

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador!

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!

Almeida Garrett

http://mocho.weblog.com.pt/arquivo/132850.html


Almeida Garrett escreve bem de qualquer maneira: quer poesia, quer narrativa, quer drama.
Aqui está o poema que prometi! ;)

Um grande abraço e boa Páscoa!!!