13 maio 2006

Brasil


Carlos Drummond de Andrade
Itabira (31/10/1902-17/08/1987)

Hino nacional

Precisamos descobrir
o Brasil!
Escondido atrás
as florestas,
com a água dos rios no
meio,
o Brasil está dormindo,
coitado.
Precisamos colonizar
o Brasil.
O que faremos
importando francesas
muito louras, de pele
macia,
alemãs gordas, russas
nostálgicas para
garçonetes dos
restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas...
Precisamos educar
o Brasil.
Compraremos professores
e livros,
assimilaremos finas
culturas,
abriremos dancings e
subvencionaremos as
elites.
Cada brasileiro terá sua
casa
com fogão e aquecedor
elétricos, piscina,
salão para conferências
científicas.
E cuidaremos do Estado
Técnico.
Precisamos louvar o
Brasil.
Não é só um país sem
igual.
Nossas revoluções são
bem maiores
do que quaisquer outras;
nossos erros também.
E nossas virtudes? A
terra das sublimes paixões...
os Amazonas
inenarráveis... os
incríveis João-Pessoas...
Precisamos adorar o
Brasil!
Se bem que seja difícil
compreender o que
querem esses homens,
por que motivo eles se
ajuntaram e qual a razão
de seus sofrimentos.
Precisamos, precisamos
esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem
limites, tão
despropositado,
ele quer repousar de
nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer!
Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro
mundo. Este não é o
Brasil.
Nenhum Brasil existe. E
acaso existirão os brasileiros?
Eduardo Alves da Costa

Quanto a mim, sonharei
com Portugal
Às vezes, quando
estou triste e há silêncio
nos corredores e nas
veias,
vem-me um desejo de
voltar
a Portugal. Nunca lá
estive,
é certo, como também
é certo meu coração, em
dias tais,
ser um deserto.

http://www.jornaldepoesia.jor.br/drumm1.html#hino

Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.

Bati segunda vez e mais outra e mais outra.

Resposta nenhuma.

A casa do tempo perdido está coberta de hera

pela metade; a outra metade são cinzas.

Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando

pela dor de chamar e não ser escutado.

Simplesmente bater. O eco devolve

minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.

A noite e o dia se confundem no esperar,

no bater e bater.

O tempo perdido certamente não existe.

É o casarão vazio e condenado.

Carlos Drummond de Andrade

de:INÊS 7.º2." 2/6/2006
02 Junho, 2006 13:53

Moçambique

Gaza

Mia Couto
Beira (1955)

Companheiros

quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não tereri escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
mas não lego
mapa nem bússola
por que andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça
por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros

Angola

Luanda

Agostinho Neto
(Catete-17/09/1922- 1979-Moscovo)

O Choro de África
O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África
Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África
e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens
o choro de séculos
inventado na servidão
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas
o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência
O choro de África é um sintoma
Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.

(Poemas, 1961)