17 maio 2008
VERSOS SOBRE O PASSAPORTE SOVIÉTICO
VERSOS SOBRE O PASSAPORTE SOVIÉTICO
Podia devorar
como um lobo
toda a burocracia,
não é comigo
o respeito
por mandatos,
e mando
para o diabo
que os carregue
todos os «papéis».
Menos aquele...
Passando ao longo
dos compartimentos
e cabinas,
um funcionário,
e que polido,
avança.
Cada um apresenta o passaporte,
e eu,
dou
o meu
pequeno bilhete escarlate.
Para alguns passaportes
há sorrisos,
para outros -
vontade de os cuspir.
Têm, por exemplo,
o direito ao respeito
os passaportes
com o leão inglês
em dois lugares.
Devorando
com os olhos o grande personagem,
fazendo saudações e curvaturas
pega-se,
como numa gorjeta,
no passaporte
de um americano.
Para o polaco
há o olhar
da cabra frente ao edital.
Para o polaco -
uma fronte enrugada
num elefantismo policial -
de onde vem este
e que são
estas inovações na Geografia?
Mas é sem voltar
a abóbora-cabeça,
sem experimentar
qualquer emoção forte,
que se aceita
sem pestanejar
os papéis do dinamarquês
e dos suecos
de todas
as espécies.
Súbito,
como lambida
pelo fogo,
a boca
do cavalheiro
se torce.
O senhor
funcionário
tocou
a púrpura deste meu passaporte.
Toca nele
como se fosse bomba,
toca nele
como se fosse ouriço,
toca nele
como em cobra cascavel,
de vinte dentes,
de dois metros e mais de comprimento.
Cúmplice
piscou
o olho do carregador
que está pronto
a carregar, de graça as minhas malas.
O agente
contempla o chui,
e o chui
o agente.
Com que volúpia
me teria,
a espécie policíaca,
batido, crucificado,
porque
tenho nas mãos,
trazendo foice
e trazendo martelo,
o passaporte soviético.
Podia devorar
como um lobo
toda a burocracia,
não é comigo
o respeito
por mandatos,
e mando
para o diabo
que os carregue
todos os «papéis»,
menos aquele...
Das minhas
profundas algibeiras tirarei
o atestado
deste enorme viático.
Leiam-no bem,
Invejem -
eu
sou um cidadão
da União Soviética.
Maiakovski
Rússia
E então, que quereis?...
Maiakóvski
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.(1927)
Poema extraído do livro Maiakóvski — Antologia Poética, Editora Max Limonad, 1987, tradução de E. Carrera Guerra.